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13 de julho de 2021

Esfriando a Antimatéria

Figura 1 – Ilustração artística. O material mais caro do mundo – um grama de antihidrogênio custa 62,5 trilhões de dólares (Crédito: meteoramida)

Por: Prof. Roberto N. Onody *

A existência da antimatéria (Figura 1) foi prevista teoricamente por P. Dirac em 1928.  A equação de Dirac descreve a teoria quântica relativística do elétron e une a Relatividade Especial com a Mecânica Quântica. Na sua formulação, ela já traz incorporada o conceito de spin e prevê a existência de uma partícula que tem a mesma massa do elétron, mas com carga oposta – o pósitron ou antielétron.

Por volta de 1912, o físico austríaco V. Hess realizou experimentos para descobrir a causa da radiação ionizante na baixa atmosfera terrestre. Pensava-se, então, que o responsável fosse o Sol. Aproveitando um dia de eclipse solar, Hess ascendeu num balão a cerca de 5.000 metros de altura e constatou que a ionização permanecia praticamente a mesma antes, durante ou depois do eclipse. Concluiu que o responsável pela radiação ionizante vinha do espaço exterior e os chamou de raios cósmicos. Em 1932, C. Anderson, um físico do Instituto de Tecnologia da California, estudando os raios cósmicos em uma câmera de nuvem, descobriu uma partícula que tinha a mesma massa que o elétron mas, com carga oposta – o pósitron previsto por Dirac. Hess e Anderson receberam juntos o prêmio Nobel de Física de 1936.

Figura 2 – O Desacelerador de Antiprótons (Crédito: CERN – Conseil Européen pour la Recherche Nucléaire)

Quando um elétron e um pósitron se encontram, eles se aniquilam em 2 raios-gama (para pósitron e elétron com spins antiparalelos) ou 3 raios-gama (para spins paralelos). O processo de aniquilação com emissão de 2 raios-gama é muito mais provável do que o com 3 raios-gama. O raio gama emitido é uma radiação eletromagnética cem mil vezes mais energética do que a luz ultravioleta.

No interior de certos materiais, o pósitron e o elétron podem formar uma espécie de átomo – o positrônio, que decai em cerca de 10 – 9 s. No exame de Tomografia por Emissão de Pósitrons (PET scan), injeta-se no paciente um material radioativo (em geral, fluorodeoxiglicose). Uma vez dentro do corpo, os órgãos e tecidos processam o material como se este fizesse parte normal do nosso metabolismo. Ao decair radioativamente, ele emite pósitrons que se aniquilam, produzindo raios-gama. Estes, por sua vez, são detectados e transformados em imagens por um computador. É a melhor tecnologia existente para distinguir um tumor benigno de um tumor maligno.

Em 1934 1, num esforço para detectar, experimentalmente, o antipróton, E. Lawrence projetou e patenteou o cíclotron. O aparelho podia acelerar partículas carregadas até energias da ordem de 106 eletronvolts.  O antipróton não foi encontrado, mas bombardeando alvos com partículas extremamente velozes, os átomos se desintegravam podendo formar novos elementos químicos (radioativos). Em 1954, Lawrence supervisionou a construção do bevatron, que acelerava prótons com energias acima de 109 eletronvolts.  O bevatron detectou o antipróton e o antinêutron em 1955 e 1956, respectivamente. A obtenção dessas antipartículas, juntamente com o antielétron (pósitron), deram início à busca dos antiátomos, mais precisamente, do antihidrogênio.

O hidrogênio é o elemento químico mais simples e abundante do universo, composto apenas, por um próton e um elétron. Em 1995, pesquisadores no CERN fizeram antiprótons colidirem com átomos de xenônio durante 3 semanas. Produziram apenas 9 átomos de antihidrogênio (formado por um antipróton e um pósitron). Eles se aniquilaram com a matéria ordinária em 40 bilionésimos de um segundo. Para se estudar o antihidrogênio, tinha que primeiro se aumentar a sua produção. Para isso, o CERN deu início à construção do Desacelerador de Antiprótons (Figura 2).

No estudo da antimatéria, para se conseguir bons resultados experimentais, é necessário primeiro esfriá-la. O vai e vem térmico de antiátomos faz com que, pelo efeito Doppler, a absorção e emissão de radiação fiquem mais largas, diminuindo a precisão da medida. Armadilhas magnéticas e aprisionamento de antiprótons no interior de átomos de hélio têm sido usados para confinar o antihidrogênio.

Figura 3 – O experimento ASACUSA (Atomic Spectroscopy And Collisions Using Slow Antiprotons) no CERN (Crédito: CERN)

O projeto ASACUSA (Figura 3) é um experimento em andamento no CERN, com parceria japonesa-europeia, para medir a massa do antipróton. Ao se manter juntos, átomos de hélio resfriados a 1,5 K e antiprótons, cerca de 3% dos átomos de hélio substituem um dos seus elétrons por um antipróton. Ajustando-se a frequência correta de um laser, pode-se excitar o hélio antiprotônico. Os resultados experimentais de 2011, provaram que próton e antipróton têm a mesma massa numa margem de erro de uma parte em um bilhão. Em 2015, essa precisão aumentou ainda mais, para sete partes em cem bilhões.

Outra maneira de se comparar a matéria com a antimatéria é pela análise do espectro de absorção. Cada elemento tem sua própria, característica e distinta, linhas de absorção. Será que o hidrogênio e o antihidrogênio têm espectro diferente? Para responder a essa pergunta, primeiro era necessário criar um número razoável de antihidrogênios e que eles permanecessem assim, por um bom tempo, sem serem aniquilados ao entrar em contacto com a matéria ordinária.

Em 2011, o experimento ALPHA (Figura 4) desenvolvido pelo CERN, conseguiu criar e armadilhar cerca de 300 antihidrogênios durante 1000 segundos!

Mais recentemente, em março de 2021 2, em artigo que foi capa da revista Nature, C. J. Baker et al. esfriaram átomos de antihidrogênios, presos numa armadilha magnética, utilizando um laser pulsado. Todo o experimento foi realizado no ALPHA 2, uma segunda geração do equipamento usado em 2011.

Figura 4 – O experimento ALPHA (Antihydrogen Laser PHysics Apparatus) (Crédito: CERN)

A energia cinética da nuvem de antihidrogênios é diminuída usando-se o fato de que a absorção de fótons depende da velocidade dos antiátomos. Antiátomos que têm direção e sentidos apostos à dos fótons incidentes são seletivamente excitados, sintonizando-se a frequência do fóton incidente um pouquinho abaixo da frequência de ressonância do átomo em repouso (efeito Doppler). Desenhando um perfil magnético apropriado, foi possível transformar esse esfriamento unidimensional em tridimensional. A redução da energia cinética ultrapassou uma ordem de magnitude.

Na armadilha magnética, cem mil antiprótons, vindos do desacelerador de antiprótons (Figura 2) foram misturados com três milhões de pósitrons vindos de um acumulador, produzindo cerca de mil antihidrogênios. O comprimento de onda do laser pulsado utilizado foi de 121,6 nanômetros (radiação Lyman-α), com os pulsos durando 15.10 – 9 s e repetidos a cada um décimo de segundo. Uma vez esfriados os antiátomos, os pesquisadores analisaram a transição 1S – 2S do antihidrogênio e constataram que o espectro, dentro da precisão experimental, em nada diferia do hidrogênio ordinário. Devido ao esfriamento a laser, a largura da linha diminuiu por um fator quatro.

O Modelo Padrão é o modelo teórico que melhor descreve (até agora) o mundo das partículas elementares. Tem tido muito sucesso e resistido a muitas comprovações experimentais. No Modelo padrão, para cada partícula existente há uma antipartícula correspondente com a mesma massa, spin e carga (em módulo, se houver). O Modelo Padrão (assim como, a Relatividade Geral e a Teoria Quântica de Campos) pressupõe simetria CPT, isto é, invariância das leis da Física por conjugação de Carga, Paridade e reversão Temporal. A violação da simetria CP (Carga e Paridade) foi encontrada no decaimento de mésons K (kaons) eletricamente neutros, por Cronin e Fitch em 1964. A invariância CPT implica que uma violação CP é sempre acompanhada de uma quebra da simetria por reversão temporal (T). No experimento, kaons se transformam em antikaons e vice-versa, mas não com a mesma probabilidade. Esse resultado, constitui um dos principais argumentos para explicar a primazia da matéria sobre antimatéria no universo em que vivemos.

Os experimentos aqui relatados, demonstram o esforço acadêmico para encontrar mínimas e sutis diferenças entre matéria e antimatéria. Representam um bom teste para possíveis violações de importantes simetrias fundamentais da natureza.

*Físico, Professor Sênior do IFSC – USP

(Agradecimento: ao Sr. Rui Sintra da Assessoria de Comunicação)

Referências:

1 Antimatter | CERN (home.cern)

https://home.cern/science/physics/antimatter

2 C. J. Baker et al., Nature, 592, 35-42 (2021)

https://doi.org/10.1038/s41586-021-03289-6

Assessoria de Comunicação – IFSC/USP

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Instituto de Física de São Carlos - IFSC Universidade de São Paulo - USP
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