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29 de abril de 2019

Da infância “rebelde” à posição de pesquisador de alto nível

Blurring the boundaries between topological and non-topological physical phenomena dots foi o título da defesa de doutorado realizada no final de 2018, assinada por Denis Ricardo Candido, aluno de pós-graduação de nosso Instituto, baseado no trabalho da autoria do próprio (VER AQUI), conjuntamente com Michael E. Flatté, e José Carlos Egues de Menezes, docente e pesquisador do IFSC/USP, seu orientador, e que mereceu destaque especial em noticia publicada pela Sociedade Brasileira de Física – clique AQUI para conferir.

Entre os anos de 2005 e 2007 foram descobertos os denominados isolantes topológicos, que possuem uma característica muito interessante: embora sejam isolantes, eles são metálicos na superfície, diferentes dos isolantes normais, ou seja, eles conduzem corrente na superfície. Para destacar a importância desse novo ramo da Física, o Prêmio Nobel de Física de 2016 foi dado recentemente aos pioneiros teóricos que iniciaram em meados de 1980 toda a base para esse novo campo de estudo. O que torna esses materiais tão especiais, a ponto de se distinguirem dos restantes, é o fato dos elétrons da superfície transportarem corrente sem resistência, sem perda de energia. Tal perda de energia gera como consequência um aumento da temperatura em semicondutores, o que por sua vez limita os avanços de microprocessadores. Neste trabalho, Denis além de ter estudado pequenos pedaços desses materiais, também estudou pequenos pedaços dos semicondutores usuais: “Descobrimos que para pequenas porções de materiais – como pontos quânticos – não existe nenhuma diferença entre estes tão distintos tipos de semicondutores. Essa é a razão do ‘Blurring the Boundary’: descobrimos que para sistemas pequenos, a diferença entre esses tipos de materiais pode não existir! Foi basicamente essa a ideia do nosso trabalho. Existe uma afirmação expressa na literatura que isolantes topológicos são muito diferentes de isolantes ordinários, e o que demonstramos é que para sistemas pequenos, como pontos quânticos, isso não corresponde à verdade, uma vez que nos diversos materiais que estudamos nós encontramos as mesmas similaridades”, pontua Denis.

O nome “topológico” já agradava a Denis, que sabia antecipadamente que haveria muita matemática envolvida – como conceito de topologia e cálculos de invariantes topológicos. “Como um amante de matemática e física, fui para esse campo porque envolvia duas coisas que eu gosto muito, especificamente o tema desse trabalho, já que em meados de 2013, no doutorado, comecei a estudar isolantes topológicos de forma geral. Nessa época, um projeto do Prof. Carlos Egues (IFSC/USP) foi aceito pela Sociedade Americana de Física (American Physical Society), em conjunto com a Sociedade Brasileira de Física, ao abrigo do programa Brazil-U.S. Exchange Program. Isso resultou na visita do Prof. Michael Flatté para ministrar palestras e mini-cursos durante uma semana no nosso Instituto – ver notícia AQUI.

Em um desses eventos, o Prof. Flatté apresentou um trabalho envolvendo Quantum Dots. Durante essa palestra, eu pensei ‘porque não tentar resolver os postos quânticos para os isolantes topológicos?’, material esse que já estávamos estudando há bastante tempo? E isso foi onde tudo começou. Hoje trabalho com o Prof. Prof. Flatté, em Chicago (EUA). A conclusão que eu tiro disso é a importância de eu ter entrado em um grupo internacional, com importantes colaborações e contatos ao redor do mundo. Muito provavelmente, se o Prof. Egues não conhecesse o Prof. Flatté, essa colaboração talvez nunca tivesse surgido e eu não estaria em Chicago, neste momento”, sublinha Denis. Esse “network” é muito importante no meio da Física. É difícil se manter atualizado perante todos os novos estudos se você está isolado. E como consequência, é ainda mais difícil fazer ciência “nova” sem tudo isso, como explica Denis. “Nesse sentido, acho que a visão do Prof. Egues é muito boa. Enfim, eu conheci o prof. Flatté nessa instância. Após isso, comecei a gerar resultados a partir da minha ideia, discuti e interagi muito com o Prof. Egues e achamos os resultados interessantes. Posteriormente, mostramos e discutimos os resultados com o Prof. Flatté, isso gerou uma colaboração e publicamos no “PRL”. Depois da publicação e no final do meu doutorado ele me propôs um pós-doutorado nos Estados Unidos e eu aceitei”.

A cidade de Chicago (EUA)

Denis enfatiza o quanto se sentiu feliz e orgulhoso ao publicar seu trabalho de doutorado na revista de física de prestigio Physical Review Letters (PRL). “PRL é uma das revistas de maior tradição na Física e muito dos trabalhos premiados pelo Nobel de Física foram (continuam sendo) publicados nela. É uma revista que leva em conta a originalidade e o  impacto dos resultados para a Física. Então, eu sinto muito orgulho do trabalho que fizemos, fiquei realmente muito feliz. Vale enfatizar também que uma grande parte dos trabalhos enviados para essa revista são rejeitados, então eu tenho a certeza de que fizemos realmente um trabalho diferenciado”, pontua nosso entrevistado.

Um garoto “bagunceiro”

Denis tem 29 anos, nasceu na cidade de Leme, interior do estado de São Paulo, onde fez seu ensino fundamental e médio, confessando que sempre foi um jovem “agitado”. “Tive muita dificuldade na escola, principalmente em termos de comportamento – desatento, de alguma forma indisciplinado – e não foram raras as vezes em que fui mandado para fora da sala de aula. Foi difícil porque, inclusive, quando cheguei à sétima série os professores praticamente me odiavam. Para complicar ainda mais as coisas, minha mãe era professora na escola em que eu estudava, então para ela era terrível. Para o meu pai, menos, mas era ruim também. Eu levava muita bronca, eles não reagiam bem – e com razão -, porque eu não apresentava nenhum interesse pelo ensino. Contudo, entre a sétima e a oitava série algo aconteceu comigo. Parece que houve um clique na minha cabeça e eu comecei a melhorar na escola: acho que tive consciência que queria ser alguém na vida: não ser taxado de “bagunceiro” para sempre, recorda Denis.

Esta súbita inversão de comportamento, segundo Denis, deu-se a partir da sétima série, principalmente por ele ter começado a se relacionar com mais pessoas, a entender mais o mundo adulto. “Comecei a reparar nas diferenças que haviam entre as pessoas: aquelas que eram, digamos, minimamente escolarizadas, com outras que, infelizmente, não conseguiam ter uma vida equilibrada. Foi quando a “ficha caiu” e acabei decidindo que era a hora de estudar porque queria ter uma vida saudável, uma vida boa, ser um exemplo e orgulho para os meus pais, para meus futuros filhos, amigos, esposa e para meu país. Eu vi que precisava fazer diferente”, comenta nosso entrevistado, acrescentando que seu súbito interesse pela ciência teve algo a ver com a “falta” de espiritualidade. “É importante acrescentar que eu sempre tive um problema com a palavra e a figura de Deus. Quando isso acontece, você é obrigado a achar uma alternativa para explicar as coisas e esse foi outro motivo para ter buscado a ciência como uma melhor amiga, entender realmente o que está por trás do mundo, sem simplesmente colocar a palavra “Deus” para tentar explicar tudo. Acho que vale acrescentar que, independente de meu péssimo comportamento até à sétima série, o meu gosto pela matemática talvez venha de berço, porque minha mãe é professora de matemática”.

Eis que, de repente, Denis se vê dentro de uma Universidade (USP). Segundo nosso entrevistado, durante os primeiros meses de faculdade ele já sentia que era aquilo mesmo que queria, dentro de um curso apaixonante. “Você realmente investiga tudo que tem por trás do mundo, tentando entender as leis que regem tudo. Então foi, para mim muito bom. Eu fiquei maravilhado, realmente apaixonado quando entrei na faculdade”, esclarece Denis, que acrescenta que sua escolha pelo IFSC/USP se deu de forma natural, primeiro porque a Universidade de São Paulo é uma das melhores universidades do país, e segundo porque o Instituto de Física de São Carlos estava sediado em uma cidade pequena e muito perto de sua residência. No que concerne às dificuldades encontradas durante seu bacharelado, Denis comenta que graças ao ensino de base muito forte que teve na sua escola Coopel, em Leme, sua base ficou formada. “O mais difícil foi a falta de maturidade que eu tinha para entender e interpretar todos os resultados, leis e consequências das leis físicas. A matemática era mais fácil, mas a interpretação da parte física ainda era difícil, porque dependendo do campo que você segue, a física é muito abstrata. Você precisa ter um poder de abstração muito apurado para poder interpretar e lidar com todos os resultados, então, acho que a maturidade para ter isso foi uma das coisas mais difíceis para mim”, sublinha Denis.

A decisão pela Física e seu gabarito com pesquisador

Denis já tinha decidido qual seria a trilha que seguiria rumo ao seu futuro profissional – a Academia -, pois segundo nosso entrevistado ele nunca gostou do meio corporativo. “Eu acredito em um lugar melhor, em fazer a diferença na educação, então porque não melhorar a ciência e a pesquisa de base no Brasil? Isso eu não conseguirei fazer se estiver no meio corporativo; então, me enquadro melhor na Academia, pois é um lugar que eu sei que posso fazer a diferença”.

Depois de ter ultrapassado a graduação, Denis não parou mais e lançou-se no mestrado no IFSC/USP. Durante esse período, Denis conta que teve suas primeiras experiências internacionais. “A primeira vez que viajei para fora do Brasil foi para fazer Física!”, ressalta Denis. “A convite do Prof. Egues, fomos para a Universidade de Basel, na Suíça, passar um mês no grupo do Daniel Loss, fazendo colaborações, contatos e atualizando sobre os mais recentes avanços no nosso campo”, comenta. Depois disso, Denis conta que a experiência internacional só aumentou durante seu Doutorado, também realizado no IFSC/USP. “A participação em conferências internacionais é uma coisa muito visada pelo Prof. Egues, e sempre se dava um jeito para que um número máximo de participantes do grupo conseguisse atender a um evento internacional”.

Denis tem participações em 16 conferências internacionais, acumulando 11 palestras e 11 posters apresentados nas mesmas. Além de todas essas experiências, Denis foi pesquisador visitante duas vezes na Universidade de Basel, no grupo dos Prof. Daniel Loss e Dominik Zumbühl. Sob o financiamento da Prof. Ewelina Hankiewicz e do projeto FAPESP-BAYLAT, Denis foi pesquisador visitante na Universidade de Wurzburg (Alemanha), instituição que realizou pela primeira vez a confirmação experimental dos Isolantes Topológicos. Durante esta estadia, um outro trabalho envolvendo Isolantes Topológicos foi publicado como sugestão do Editor na Revista Physical Review B (leia AQUI).

Denis conta que dentre todas suas experiências internacionais nunca se sentiu inferior aos estudantes locais e, por consequência, nunca teve timidez em levantar perguntas e discussões durante todas suas viagens, não só pela forte educação recebida no IFSC/USP, como também pela dinâmica do grupo de pesquisa o qual entrou. “Eu tive muita “sorte” de entrar em um grupo como o do Prof. Egues. Durante os primeiros anos já era claro que os trabalhos do grupo tinham níveis internacionais. E quando os trabalhos tem esse nível, as discussões que circulam no grupo também são de alto nível, com temas novos e relevantes para o cenário da física atual. Lembro, também, que a ideia do grupo não era só gerar e entender resultados, mas também entender de fato todos os fundamentos por trás das teorias abordadas. Enquanto tudo não era entendido, o trabalho não era publicado. Isso pode parecer chato a princípio, mas o resultado dessa prática foi fundamental para criar no grupo um conhecimento sólido e profundo sobre os tópicos, gerando assim a habilidade de conseguir questionar e discutir de igual para igual com os principais grupos do exterior”, salienta Denis.

No entanto, Denis encarou alguns desafios, como o sistema que se encontra implementado nas universidades: “Não posso deixar de fazer uma crítica ao sistema das universidades, como um todo. Em minha opinião, nós estudamos muito conteúdo, mas quando você vira um físico pesquisador – no mestrado e doutorado – a gente começa a participar de um meio que gira em torno da pesquisa e isso é uma coisa que, infelizmente, a gente não tem bem estruturado no curso de graduação, mestrado e doutorado. Eu posso dizer que saí Físico de um curso de graduação, sem ter sabido o que é uma pesquisa de verdade. Aprendemos a resolver problemas, mas isso não resume a pesquisa: é achar e criar um problema interessante e só depois resolvê-lo. Nas matérias de graduação, mestrado e doutorado, a gente só aprende a entender e resolver os problemas, mas nunca criar. Essa foi a minha maior dificuldade durante minha vida de pesquisador; como pesquisador, você não só precisa saber resolver o problema, mas criar um para ser resolvido. Em qualquer matéria, o professor passa o conteúdo, nós treinamos com exercícios em casa e depois tem a prova. Tudo que a gente aprende a fazer é resolver exercícios (problemas), mas quando a gente pesquisa, você tem que criar o próprio problema para ser resolvido, tem que ver o que vai atacar. A decisão de qual problema atacar é algo que eu tive de aprender “sozinho”, no mestrado e doutorado, porque não tive a base para isso”, comenta Denis.

O testemunho do Mestre

Prof. Dr. José Carlos Egues de Menezes

Já devidamente estabilizado em Chicago, com um contrato de dois anos – renovável -, Denis afirma que sua vida como pesquisador é completamente diferente daquela que se vive no Brasil. “A primeira coisa é que o incentivo que se vê aqui é impressionante; são em média dois seminários diferentes por semana. Fica muito mais fácil se manter atualizado, pois além do contato com o trabalho, você também pode ter contato com os autores. Ao meu ver, isso acaba estimulando muito meu trabalho. Você acaba tendo mais ideias e mais criatividade.” Denis acrescenta: “Aqui, a gente também trabalha em projetos interessantes e de alta relevância no cenário internacional, então isso tem me deixado bastante feliz. Estamos trabalhando com bastantes grupos experimentais, o que está sendo uma experiência nova e muito interessante. Hoje, vejo que essa proximidade teoria-experimento é uma coisa que infelizmente parece estar em falta no Brasil. Uma coisa importante de mencionar é que estou aqui com a minha esposa, então é tudo mais fácil, pois tenho uma pessoa em quem confio, com a qual converso, peço opiniões e divido experiência, então isso acaba facilitando tudo. Embora seja tudo diferente, sou bastante feliz, pois é tudo novo, gostoso: estamos ainda no momento eufórico”, enfatiza Denis, manifestando desejo de fazer outros pós-doutorados com a finalidade de aprender outras coisas, acrescentar mais bagagem para quando voltar para o Brasil ter uma “musculatura” legal para prosseguir sua vida como pesquisador. “Eu gostaria muito de fazer pós-doutorado na Suíça, na Universidade de Basel. A ideia é tentar passar um tempo lá, aprendendo algo novo e também me especializando”. Denis também expressa preocupações com o cenário da política atual, uma vez que o descaso com a educação, pesquisa e ciência só tem aumentado.

O Prof. Dr. José Carlos Egues de Menezes, docente e pesquisador do IFSC/USP – e orientador de Denis – é a principal testemunha do amadurecimento científico de nosso entrevistado. “Durante os anos de mestrado e doutorado, testemunhei o amadurecimento científico (e pessoal  arrisco dizer) de Denis. O mesmo se tornou um pesquisador independente, extremamente crítico e capaz de produzir trabalhos sólidos de alto nível – características que tentamos despertar/estimular nos alunos do meu grupo de pesquisa. Nosso grupo sempre foi – e continua sendo – um ambiente de muita discussão e onde promovemos/estimulamos/encorajamos o entendimento profundo de ideias e conceitos e não apenas o rigor matemático/teórico, “tem que entender a física” eu sempre enfatizo. Foi dentro deste espírito que Denis foi “educado” durante o seu mestrado e doutorado, tornando-se um ávido e lúcido questionador e promotor de “discórdia” – no bom sentido.  Este estágio pós-doutoral em um grupo de excelência nos EUA que ora Denis realiza, sem dúvida deverá contribuir para que ele expanda ainda mais os seus (já amplos) horizontes científicos e de vida.  Tenho certeza que ele terá grande êxito como pesquisador/professor ou em qualquer outra atividade profissional futura.  Desejo-lhe muito sucesso, Denis!”, conclui o docente.

Rui Sintra – Assessoria de Comunicação – IFSC/USP

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Instituto de Física de São Carlos - IFSC Universidade de São Paulo - USP
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