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24 de abril de 2019

Sangue novo refresca Academia Brasileira de Ciências (ABC)

Os professores Tiago Pereira, docente e pesquisador do Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação (ICMC/USP) e Diogo de Oliveira Soares Pinto, do Instituto de Física de São Carlos (IFSC/USP), são os novos membros afiliados da Academia Brasileira de Ciências (ABC), para o período de 2019/2023, cuja formalização se realizou em cerimónia ocorrida no dia 14 de março último, na Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin (USP), em São Paulo.

A notícia foi acolhida com bastante regozijo, não só no Campus USP de São Carlos, como também e principalmente nas Unidades onde os jovens docentes desenvolvem seus trabalhos – Instituto de Física de São Carlos e Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação.

Características comuns aos dois jovens pesquisadores: humildade, amor pela ciência, amor por seus alunos, sentido de responsabilidade e visão futura, o que faz com que esta entrevista tenha a fragrância de um futuro que certamente será promissor para o País.

Professor associado do ICMC na área de Matemática aplicada desde 2015, Tiago Pereira obteve seu bacharelado em Física (2004) pela USP, doutorado em Matemática (2007) pela Universidade de Potsdam, na Alemanha, e a livre-docência em Matemática (2015) pela USP. O tema central de sua pesquisa é o comportamento coletivo que emerge de forma espontânea em sistemas dinâmicos que interagem. Em particular, o foco de estudo é como a estrutura de interação infere com a dinâmica individual para gerar novos comportamentos dinâmicos. Com pós-doutorado em matemática feito igualmente na Alemanha e mais tarde, já no Brasil, no Instituto de Matemática Pura Aplicada (IMPA), Tiago afirma que sempre se manteve na mesma área, exceto quando regressou ao nosso país.

“Eu trabalhava no sentido de entender como a ordem emerge naturalmente em sistemas. Isso é mais tratado pela Física, mas a matemática pode ajudar muito nesse direcionamento. Sempre foi um grande interesse meu. Por exemplo, você vê uma revoada de pássaros voando, mas de fato aquelas verdadeiras nuvens de pássaros não tem um líder, ou seja, eles alcançaram uma ordem sem ter um líder. No nosso coração acontece a mesma coisa. Cada célula tem seu próprio ritmo, mas se elas não conversarem entre si, a gente vai ter uma arritmia”, exemplifica Tiago. Grande parte de seu trabalho de pesquisa foi no sentido de traduzir o exemplo acima em contextos matemáticos e a partir das equações tentar prever o comportamento de várias situações, algo que criou robustez em todo estado da arte de suas pesquisas.

Chanceler alemã Angela Merkel em visita a um dos laboratórios na Universidade de Berlim

Relativamente à sua indicação para a ABC, Tiago Pereira considera – com humor – que foi um ótimo antidepressivo. “Acho que o reconhecimento é importante, porque é indicação de que o que fazemos está certo. É também uma forma de reconhecer uma área de pesquisa, porque o que eu fazia aqui não era exatamente main streaming, mas emerge de várias áreas; pegamos uma parte da matemática – grafos aleatórios -, juntamos com sistemas dinâmicos e tentamos resolver. É, em suma, o conjunto de todo o conhecimento que consegui adquirir e colocar em prática” sublinha o jovem cientista.

Dedicação e formação de bons professores

Com uma experiência riquíssima na Europa, Tiago Pereira compara a pesquisa que é feita no exterior com a que é feita em nosso país, considerando que o gap está na “qualidade uniforme”. “No Brasil, a pesquisa é boa, você tem alguns dos melhores grupos do mundo, mas conforme viaja pelo país você vai notando uma queda na qualidade; por exemplo, você vai a uma universidade vizinha da sua e lá tem um “apagão” de mão de obra. Essa disparidade gera uma desqualificação grande do estudante e isso impede o nosso crescimento. Veja o que acontece na Alemanha, por exemplo: você vai a uma universidade distante da capital (Berlim) e o nível de trabalho é exatamente igual. Na Europa, tem também algumas disparidades: eu trabalhei na Inglaterra e comparar o top 10 britânico com as outras universidades na própria Inglaterra era irreal; mas no Brasil a disparidade é gritante. Na Inglaterra, de seis em seis anos eles avaliam os professores a nível nacional e você só pode enviar quatro trabalhos para essa avaliação. Não é numérico! Eles preferem que você faça três coisas boas em quatro anos, do que você “atirar para todo lado”. Lá, eles pegam os grupos de pesquisa, leem os trabalhos e “ranqueiam” os departamentos”, pontua Tiago, que acrescenta faltar uma grande integração de áreas de pesquisa no Brasil, por forma a diminuir o citado gap.

Centro de Pesquisa na London Metropolitan University – Investimento de 30 milhões de libras

Dando como exemplo uma frase de Confúcio “Se você quer sustentar a pessoa por um dia, dê comida a ela, se quiser sustentá-la pela vida toda, tem que educar”, Tiago Pereira afirma que o que falta para alavancar a pesquisa nacional é eliminar o gargalo que existe na área da educação, ou seja, formar bons professores. “Tudo isso remete a Sócrates, que morreu por querer educar. Consultei recentemente a estatística do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa INEP) e os piores alunos viraram professores de ensino médio”. Questionado sobre qual a sua principal preocupação perante os alunos, Tiago Pereira aponta que dar treinamento é essencial e, relativamente à sua área, não se trata só de ensinar matemática, mas apresentar uma cultura do problema. “Por exemplo, fazer um doutorado tem efeitos quando a pessoa percebe que o problema é dela. O grande desafio é apresentar o problema ao aluno e ele resolvê-lo sozinho. O meu desafio é manter a neutralidade”, sublinha o pesquisador. Para os alunos, Tiago Pereira deixa uma pequena mensagem. “O conhecimento é bonito quando você se esforça; você verá essa beleza intrínseca ao longo dos vários anos de estudo. Mas isso requer uma dedicação”.

A informação quântica

Diogo de Oliveira Soares Pinto é graduado em Física (2003) pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), com doutorado em Física (2009) pelo Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF). Suas pesquisas são principalmente em informação quântica, tendo contribuído para a caracterização de correlações quânticas em sistemas de ressonância magnética nuclear (RMN) e em materiais magnéticos. Dedica-se à melhoria de protocolos de estimativa de parâmetros a partir da teoria quântica (metrologia quântica) e se estende à geometria da informação, dinâmica de sistemas abertos e termodinâmica de sistemas fora de equilíbrio.

Diogo ingressou no pós-doutorado no IFSC/USP em meados de 2009, sob a orientação do Prof. Tito José Bonagamba, após ter concluído uma etapa de seu doutorado na cidade de Aveiro (Portugal). Depois de quatro anos no nosso Instituto, o pesquisador conseguiu uma oportunidade para prestar concurso e acabou contratado. “Estava no Grupo de Ressonância Magnética até agora, no final do meu probatório, e a partir daí criei uma identidade forte na área da informação quântica, que proporcionou a abertura de um grupo de pesquisa nessa área, em 2018”, recorda o pesquisador.

Questionado sobre o que é informação quântica, Diogo Soares Pinto alega que até podia responder sobre o que é informação e, nesse capítulo, arrisca-se a contar uma história. “Claude Shannon – o pai da teoria da informação – foi o primeiro a estudar esse problema, a entender o que era um computador e como você poderia manipular “bits”. A partir daí, ele propôs uma maneira de quantificar informação, sem de fato dizer o que ela era. Ele quantificou com uma função matemática inventada por ele  e reza a lenda que foi se consultar com o matemático John Von Neumann – o grande teórico da época –, mostrando suas conclusões. Von  Neumann terá dito: ‘Em primeiro lugar, eu acho que esse seu quantificador de informação deveria se chamar de entropia, porque essa função já existe em física e o nome dela é esse mesmo – entropia. Em segundo lugar, porque você tem uma vantagem em uma eventual discussão com qualquer físico, ou seja, você sabe o que ela está quantificando e o físico, em geral, não sabe”, relata Diogo, sorrindo perante nossa momentânea confusão. Em suma, segundo nosso entrevistado, informação é algo onde você consegue pegar toda e qualquer coisa e decodificar nessa quantidade de “bits” que carrega a identidade de algo a ser trocado e que podemos quantificar com a entropia ou com famílias de entropias. “A informação quântica surge quando você permite não lidar mais com bit 0’s e 1’s e passa a querer codificar essa informação em sistemas quânticos (partículas). Houve uma evolução grande na área e hoje existe uma espécie de distanciamento entre o que a teoria propõe e o que vai ser quantificado. Hoje, discute-se independente do sistema físico em que se vai quantificar, e manipulam-se informações. Essa é uma visão um pouco particular sobre o que é, mas, no fundo, tudo é informação quântica. É como você quantifica e manipula isso”, destaca Diogo Soares Pinto.

O impacto de entrar para a Academia Brasileira de Ciências

Claude Shannon (Foto de: Stanley Rowin)

O fato de ter sido indicado para a Academia Brasileira de Ciências foi algo que impactou o jovem cientista. “Como  estudei no Rio de Janeiro, tive a oportunidade de ter como meu mestre o Prof. Luiz Davidovich, que é o presidente da Academia. Sempre ouvimos dizer que é na Academia que os grandes mestres se reúnem para discutir diretrizes, que participa quem tem destaques de uma forma ou de outra, quem tem a oportunidade de lidar de forma mais ampla com o meio académico, com outras áreas do conhecimento, discutir políticas, até mesmo para propor políticas de estado. Isso sempre permeou o meu pano de fundo, porque convivi com isso; agora, ser indicado foi impactante, porque é uma chance de fazer parte desse grupo, é uma coisa que você sabe que está ali, mas que nunca teve contato. Por isso, vejo que realmente estou conseguindo construir uma carreira e esse ingresso na Academia é um reconhecimento de anos de trabalho”, comenta Diogo.

Já com um encontro geral dos membros da Academia marcado para o próximo mês de junho, Diogo afirma que sua preocupação se irá centrar no combate às inúmeras tentativas feitas recentemente – em nível mundial – para a desconstrução de conhecimentos e das ideias científicas já adquiridas, como, por exemplo, a defesa de um “terraplanismo e de movimentos contrários às vacinas. “A Internet é muito importante, agentes sociais são muito importantes, mas ultimamente eles têm dado voz a uma desconstrução de conhecimentos e ideias. As pessoas estão preferindo acreditar mais em discursos vagos, porque acham que tudo pode ser questionado e que pouco ou nada deve ser entendido à luz da Ciência: não foi de um dia para o outro que um cientista ou pensador acordou e simplesmente disse que a partir daquele momento determinado conceito funcionaria de determinado jeito. Existem métodos científicos, existem séculos e séculos de conhecimento acumulado, de análises de casos, de estruturação de ideias. Eu ouvi recentemente alguém dizer uma frase curtinha, bem interessante, que fala mais ou menos assim: “Toda pessoa que nasce, já nasce com conhecimento acumulado de séculos, porque séculos antes de seu nascimento, pessoas trabalharam no desenvolvimento do conhecimento; quando ela nasceu, não nasceu um mundo, mas entrou em um mundo que já existe”. Então, as pessoas questionarem ideias sem saber a origem delas é perigosíssimo, pois isso começa a afetar a saúde pública, questões de segurança, privacidade, etc.”, pontua Diogo, acrescentando que a Academia vai certamente trabalhar para mostrar à sociedade como realmente funcionam as coisas e desmistificar determinados conceitos e afirmações falsas.

A pesquisa no mundo e no Brasil

Semana Nacional de Ciência e Tecnologia – Brasil

Em relação ao mundo, a pesquisa tem evoluído muito rapidamente, segundo Diogo Soares Pinto. Nas últimas décadas houve uma disseminação do conhecimento científico, principalmente nas universidades, principalmente devido a um aumento de entrada de alunos nos programas de pós-graduação. “A minha área de conhecimento – informação quântica – tem sido de alguma forma privilegiada, com muitos investimentos por parte dos governos, no mundo, atendendo a que existe uma perspectiva de realização e avanço tecnológico: comunicação segura através de satélites, criptografia, computadores quânticos, etc., isso fomenta pesquisa de alta qualidade, da básica à aplicada, e houve um impulso da área nas últimas décadas. Com relação ao Brasil, curiosamente tem-se vivido um retrocesso brutal em questão de investimentos, o que tem impactado na pesquisa brasileira. Aqueles que trabalham com pesquisa teórica, como eu, sentem um pouco menos, mas quem trabalha com experimental, sente mais. Agora, a pesquisa académica tem uma coisa boa, que é o fato de que quando você começa um trabalho, ele não para, ele avança sempre, quer esse trabalho tenha um índice maior ou menor de dificuldade”, pontua Diogo.

No final da entrevista, o Prof. Diogo Soares Pinto deixa uma mensagem aos alunos: “Tenham criatividade e curiosidade. Essas duas componentes são extremamente importantes. Se você é curioso, tenaz, ou seja, insiste em fazer algo, se dedica a isso, inevitavelmente você será capaz de construir algo com o conhecimento adquirido e, na perspectiva da academia, é fazer com que todo o mundo entenda que o que ele recebe vem sendo construído ao longo de séculos e não saiu simplesmente da cabeça de um professor; é um conhecimento de longo prazo que precisa ser aprendido com profundidade, dedicação e curiosidade. Então, primeiro, devagar, que você precisa passar alguns anos ainda aprendendo. E, para formar um bom aluno – não quero dizer um que apenas publique muitos artigos –, um cara que entende o problema que está lidando, tem ferramentas para lidar com os problemas, administrar, manipular e construir coisas novas. A maior satisfação de um professor é quando chega ao final de um doutorado e percebe que conseguiu fazer isso com um estudante, que ele conseguiu independência, mantendo a curiosidade e a criatividade dele – aí, você fez um bom trabalho. Já para os alunos de graduação, o objetivo é formar pessoas para chegarem à pós-graduação, apresentando ferramentas e ao longo de todo o caminho falar que é difícil, mas estimular sempre a curiosidade para um dia eles a utilizarem com criatividade. Acho que é um ponto importante para quem está no meio académico e é um trabalho que dá um enorme prazer: você depender de si mesmo para criar. É um trabalho criativo e talvez assemelhado à arte”, finaliza o docente.

Rui Sintra – Assessoria de Comunicação – IFSC/USP

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